O SISTEMA

Tarde de terça-feira, tudo ia bem. Trabalho fluindo e os preparativos para a reunião que eu teria na próxima hora estavam todos prontos. Telefone toca e eu atendo:
- Alô?!
- "Boa tarde. Eu gostaria de falar com o sr. Paulo Gomes."
Por um segundo eu não respondo e consigo raciocinar de quem se trata e pior, de onde vem o telefonema. Respiro fundo e dou prosseguimento à conversa.
- "Eu também gostaria muito de falar com ele."
A pessoa do outro lado da linha calou-se. Lógico que não entendeu nada. Mas eu não podia deixar passar a chance de pisar no que eles tanto chamam de "sistema". Tudo é culpa do "sistema". Aí continuei.
- "Meu nome é Cláudia e sou filha do sr. Paulo. Qual o seu nome?"
- "Michelle"
- "De onde, Michelle"?
-"Do Banco Itaú"
Aiiiiiii como me irrita a resistência que essas pessoas têm em se identificar depois que passam pelos treinamentos para serem insuportáveis dribladores dos direitos dos cidadãos. Dentro do possível, fui educada e respondí:
- "Olha, meu pai morreu há um ano e meio."
Silêncio total do outro lado da linha. Acho que sentí um certo prazer cruel em retribuir o mal estar que aquela conversa estava me provocando. Imaginei o rosto desconcertado da mulher do Itaú que buscou o nome do meu pai no "sistema". Pior ainda: buscou os números em cifras que estão retidos por interesses capitalistas ignorando o sofrimento de quem perdeu um ente e ficam segurando migalhas de um sr. aposentado em busca de qualquer forma de arrancar-lhe trocados. O atestado de óbito já está com o banco. Mas o "sistema" ignora isso e vive mandando cartões de crédito para meu finado pai. Lembrei-me de tudo isso enquanto durou o silêncio daquela mulher que buscava alguma desculpa para justificar a sua gafe.
-"Desculpe-me"- ela finalmente falou. -"Não há nada registrado aqui. Na verdade peguei os dados no sistema e ví que o sr. Paulo atingiu a pontuação x aqui no nosso Banco e gostaria de estar oferecendo (bleargh .....arrrgh.... gerundismo me mata!) mais serviços do nosso Banco."
Esperei ela terminar e disse:
- "Acho melhor você deixar bem anotado aí, já que o seu "sistema" se nega a registrar que o meu pai faleceu, porque o próximo que me ligar daí, vou mandar ligar lá para o cemitério do Bonfim, ok?"
- "Ah, me desculpe mais uma vez. Mas você conhece os serviços do Banco Itaú?"
-"Me poupe, por favor, me poupe. Daqui a pouco esquecerei a educação que o Sr. Paulo me deu e vou te mandar para um lugar que rima muito bem com o nome do banco no qual você trabalha."
-"Tuuu, tuuuu, tuuuu, tuuuu, tuuuu, tuuuu, ........(telefone desligado do outro lado da linha).
Fui para a minha reunião, terminei a minha tarde relativamente bem. Mas o "sistema" do Banco Itaú conseguiu me deixar com uma sensação ruim. Um misto de tristeza, raiva, vazio, descrença, um monte de sensações juntas. Quanta frieza há no mundo. Quero continuar a me indignar com isso. Só assim terei a certeza de que ainda não fui contaminada. Hoje estou bem. Amanhã estarei melhor. O sistema continuará aí, servindo de desculpas para tudo. Prefiro a matrix!

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